Brasil e EUA reafirmam aproximação, mas avanço em comércio será difícil

A recente visita do vice-presidente dos Estados Unidos (EUA), Mike Pence, ao Brasil reafirma o interesse de diálogo entre os dois países. Porém, não aponta para um salto qualitativo no comércio bilateral.O crescente protecionismo em âmbito internacional, a turbulência política e divergências em áreas onde as duas nações são concorrentes – como a agricultura – são obstáculos para um avanço nas trocas comerciais.

“[O presidente dos EUA, Donald] Trump tem dedicado pouca atenção aos países latino-americanos”, diz a professora de negócios internacionais do Instituto Coppead de Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Ariane Roder.“Neste sentido, a visita tem a importância simbólica de manter o canal de diálogo aberto e tratar de alguns temas sensíveis que têm ocupado a agenda bilateral”, acrescenta. Pence esteve no Brasil na semana do dia 26 de junho para debater a imigração venezuelana, cooperação espacial, além das medidas protecionistas de sobretaxa do aço e do alumínio.

O professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UNB), Juliano da Silva Cortinhas, enfatiza que a visita do vice-presidente reafirma o interesse de continuidade dos laços com o Brasil, mas que está longe de significar um “salto qualitativo” nas relações de comércio.“Brasil e os Estados Unidos são os maiores países do continente americano, o que faz com que eles tenham uma tendência natural de cooperação. Além disso, os EUA são o nosso segundo maior parceiro comercial e o Brasil, por ser o maior da América do Sul, é um ponto estabilizador da região. Os EUA não operam aqui, sem consultar o Brasil”, diz Cortinhas, ao listar os pontos que justificariam as conversas recentes entre as duas nações.Barreiras Contudo, o avanço do diálogo esbarra em questões históricas e conjunturais.

Sobre a primeira, Cortinhas lembra que os EUA sempre quiseram firmar um acordo amplo de comércio com o Brasil, mas paralisam em discussões sobre produtos agrícolas, setor em que há forte concorrência entre os dois.Essa situação fica mais incerta diante do crescente protecionismo de Trump, diz a professora da UFRJ. “As decisões de cunho protecionista por parte do governo Trump tendem a acirrar a guerra comercial, podendo haver um efeito cascata, com protecionismo brasileiro em algumas áreas como, por exemplo, taxação sobre a importação do milho norte-americano para a produção de etanol”, especula.“Uma vez que as negociações passam a ser desfavoráveis para um dos lados, a tendência é que isso se reverbere para outros setores em forma de retaliações comerciais”, complementa a professora.

Roder comenta ainda que a cota imposta pelos EUA para a exportação brasileira de aço e a sobretaxa ao alumínio tendem a se refletir negativamente na nossa balança comercial.No primeiro semestre, a corrente de comércio entre Brasil e EUA avançou 5%, em relação a igual período de 2017, alcançando US$ 26,729 bilhões.As exportações cresceram 1,95%, a US$ 13,167 bilhões, enquanto as importações expandiram 8,47%, a US$ 13,562 bilhões. “A corrente de comércio entre os dois países pode sofrer algum impacto ainda este ano em função das barreiras estabelecidas para as importações de aço e alumínio oriundos do Brasil”, ressalta.“Essa decisão tende a diminuir a entrada de produtos brasileiros nos Estados Unidos. O saldo da balança comercial bilateral é desfavorável ao Brasil e a medida deverá agravar isso em curto e médio prazo”, acrescenta Roder.

Cortinhas pontua que as incertezas eleitorais no Brasil e a polarização política nos EUA também são fatores que acabam impedindo um avanço no comércio. “Nos dois países, o momento é de turbulência política”, conclui o professor.Visita Ariane Roder comenta que um dos pontos de destaque da passagem do vice-presidente norte americano ao Brasil foi a visita a um abrigo de refugiados venezuelanos em Manaus. “Esse assunto ganha importância mediante o contexto de crise de imigração vivenciada pelo governo Trump, que separou pais e filhos que ingressaram no país de forma ilegal – o que envolve também famílias brasileiras”, relembra.Para Roder, esse tema suscitou o alinhamento de postura entre os dois países em relação à suspensão da Venezuela da Organização dos Estados Americanos (OEA).

Outro assunto que ganhou destaque na visita de Pence foi a cooperação espacial. O debate gerou um comunicado conjunto de estreitamento dos laços bilaterais sobre o uso pacífico do espaço exterior. “Um dos destaques desta agenda é a negociação referente ao uso da base de Alcântara para lançamento de foguetes americanos. O interesse do Brasil é na comercialização deste espaço, mas os impasses giram em torno da questão da salvaguarda do direito de propriedade intelectual requeridas pelas empresas americanas para atuarem no local”, explica a professora da UFRJ.

Fonte: DCI